por Gregory Kramer.
Avaliar a fala e outros atos expressivos em termos de causas e efeito é olhar para eles através da lente do karma. O significado cármico destas ações e o peso dos seus frutos se deve à volição (cetanā). Cada ato volicional — de mente, fala ou corpo — deixa um vestígio em nós, que é correlacionado com mudanças em nossas redes neurais, células e hormônios. Em conjunto, eles condicionam o corpo-mente a ir adiante. Nossos pensamentos e ações presentes condicionam como iremos experienciar os eventos futuros da vida. Por exemplo: um ato de fala amplia ou reduz o ódio? A fala correta e o esforço correto atuam juntos nessa questão: uma ampliação das tendências saudáveis e uma redução das insalubres é o trabalho do esforço correto e é essencial para todo o Caminho.
O poder condicionante da linguagem opera interna e externamente. A fala interna dá forma e poder de permanência ao que, caso contrário, seria uma emoção passageira. A fala mental participa em um loop de feedback interno: ela estabiliza e molda a intenção para que ela possa fazer o movimento para fora, se expressando. Então o movimento para o exterior da expressão concretiza, prolonga e potencializa os padrões mentais internos, para que eles possam continuar a condicionar intenções futuras.
O poder de condicionamento externo da expressão funciona de modo interpessoal. Eu posso direcionar e focar a sua atenção, por exemplo, tanto para um pôr do sol relaxante quanto para uma boate empolgante. Eu também poderia te conduzir na prática de compaixão ou na desconstrução do self por meio da contemplação dos agregados. Minhas palavras podem incitar ódio ou ação para justiça social. A linguagem pode nos unir no egoísmo coletivo ou na compaixão compartilhada. As palavras direcionam a mente.
O poder impressionante de direcionar e focar a atenção é o que dá ao ato comunicativo a sua potência. Estejamos nós nos influenciando para experimentar uma certa comida, expressar ódio ou medo ou apontar o caminho para a sabedoria, a comunicação envolve uma transmissão de significado de uma mente para outra. Esta transmissão frequentemente é crua, porque as palavras não são as coisas ou experiências para as quais elas apontam. Cada pessoa traz diferentes significados, emoções e memórias aos elementos de linguagem. O significado comunicado não pode ser exato; há várias brechas incorrigíveis nas nossas descrições, metáforas e símiles. Mas ainda que haja tal volatilidade, ela segue sendo capaz de focar e direcionar a atenção, transmitir e receber intenções.
Para que o poder da linguagem se manifeste, as palavras ditas ou escritas devem ser ouvidas. Escutar é ouvir ativamente. É a outra metade do loop cármico ativado na fala correta; ela completa o ato. Um pedido, ideia ou emoção é não apenas oferecido, mas é também recebido. O ato de escutar prolonga o ato de falar; é a condição usual da fala e sua consecução. Outras formas de expressão, também, são feitas usualmente com a intenção de serem recebidas. A música é oferecida com a expectativa tácita de que será não apenas ouvida, mas escutada. A escuta, por sua vez, molda a expressão: uma música feita para um público diferente provocaria uma expressão musical diferente por parte da mesma artista. A arte de arte é feita para ser vista e contemplada; a arquitetura, para ser encontrada e habitada. Neste contato bi-volicional de expressão e recepção, uma conexão é feita, a proclamação tem impacto.
Tanto o processo sensorial da audição quanto os processos mentais condicionados de interpretação e compreensão atuam aqui. Quando uma expressão é recebida, ela pode então se tornar a base para uma expressão recíproca. As pessoas que falam e que escutam podem trocar de papéis: quem até então estava escutando agora oferece algo de volta. Isto pode acontecer plenamente, no caso de uma conversa, ou de uma maneira desigual, talvez por meio de aplauso, resenha crítica, comentários postados em um blog. Até mesmo o silêncio é uma resposta. A comunicação recíproca pode escalar, construindo energia a cada iteração interpessoal. Este loop de comunicação pode reforçar tanto as inclinações saudáveis quanto as insalubres.
Ainda que o ato de falar confirme e fortaleça as intenções internas que o impulsionaram, é a escuta que permite a estas intenções serem lançadas para o mundo, para além do nosso alcance ou controle, onde elas podem reverberar por muito, muito tempo. Em contextos públicos, as intenções se espalham de uma pessoa para muitas. Adolf Hitler se destacou em focar o ódio. Mohandas Gandhi, em comunicar o poder da não-violência. Jesus se destacou em evocar amor e compaixão. O Buda, em comunicar sabedoria. As consequências de seus atos comunicativos continuam cascateando pelo mundo, condicionando os pensamentos e circunstâncias de muitas pessoas.
Assim como nós podemos focar a atenção da outra pessoa, nós podemos nos distrair com conversa fiada ou fofocas. Meios de comunicação de massa nos fornecem incontáveis maneiras de nos distrairmos, já que os anunciantes que financiam boa parte dessa mídia têm interesse financeiro em encorajar insatisfação, avareza e busca por estímulos.
Os efeitos de cada ato de comunicação se fundem com os efeitos de outros atos de comunicação, reverberando na nossa família, círculos sociais ou na sociedade em geral, onde o fluxo pode vir a ser modificado pelas falas saudáveis ou insalubres de outras pessoas. Isto, também, é causa e efeito — karma.
Este trecho é parte do capítulo “Fala Correta” do livro A Whole-Life Path, de Gregory Kramer, que está sendo traduzido para o português e estará disponível em breve.
Neste domingo (28/12/2021), Gregory conversará conosco em nosso canal do Youtube (você pode clicar em “Inscrever” e em “Ativar Lembrete”):